NOTÍCIA
OE 2023 - APFN manifesta total discordância com a generalidade das medidas
publicado a 03/11/2022
A APFN manifesta a sua total discordância com a generalidade das medidas apresentadas no Orçamento do Estado 2023, por serem claramente insuficientes para suprir o aumento de encargos que incide de forma desproporcional nas famílias com três ou mais filhos, tornando-as no alvo mais vulnerável à pobreza, segundo os dados apresentados ainda a semana passada pela Rede Europeia Anti Pobreza.
A APFN considera absolutamente prioritário como medida de justiça social:
1. A diminuição do IVA dos bens e serviços essenciais,
2. A aumento da dedução por filho, em sede de IRS, pelo menos num valor equivalente ao da inflação,
3. A alteração do método de cálculo para uma dedução antes da aplicação da taxa e
4. A atribuição a cada dependente de uma dedução equivalente à das despesas gerais e familiares.
Este Orçamento do Estado surge num contexto de elevada incerteza e de uma degradação da condição económica das famílias, motivada pela inflação que incide fortemente em sectores de bens e serviços essenciais, mas também da subida das taxas de juro e aumento das prestações associadas ao crédito bancário, e é sobre as famílias com filhos que o impacto se torna mais significativo.
Contudo, o aumento de rendimento líquido previsto no Orçamento do Estado é exatamente o mesmo, independentemente da existência ou não de filhos e do seu número. As famílias com filhos têm, para um mesmo rendimento, um nível de encargos com despesas essenciais substancialmente mais elevado, com uma evidente e comprovada exposição à pobreza.
Infelizmente o Orçamento do Estado não prevê uma única medida de aplicação universal a estas famílias. As medidas apresentadas ou se destinam apenas a franjas muito limitadas da população, ou são gerais sem ter em conta a situação particular das famílias com filhos.
Analisando algumas das medidas previstas podemos constatar que não só não corrigem, como aumentam a discriminação existente:
• IVA eletricidade – Previsto passar a 6% para potências contratadas até 6,9 KVA e para consumos até 100 KW ou 150 KW se família numerosa. Uma pessoa sozinha tem direito a 100 KW com IVA a 6%, contudo numa família de 4 pessoas, cada uma destas pessoas tem apenas 25 KW de IVA reduzido. Acresce que a limitação desta medida à potência contratada de até 6,9 KVA inviabiliza o acesso ao IVA reduzido a muitas famílias numerosas que necessitam maior potência e às famílias que, por preocupações ambientais, fizeram uma aposta na eletricidade;
• Mínimo de Existência – Previsto aumentar para 10.640 euros e reformular a regra de cálculo. O mínimo de existência foi criado para garantir que o rendimento líquido disponível após o pagamento do imposto é suficiente para garantir a subsistência do agregado familiar. Como o valor é global e não por pessoa, o Estado entende que 10.640 euros são suficientes, quer o agregado seja de uma, duas ou três pessoas. Existe uma majoração pouco significativa para famílias numerosas que, ao não estar indexada, se mantém inalterada há alguns anos. É imperioso que, ao contrário do que agora acontece e que não está previsto ser alterado, o mínimo de existência seja estabelecido com um valor per capita em que todas as pessoas que vivem do rendimento que irá ser sujeito a tributação contem individualmente e que esse valor seja de atualização automática;
• Aumento para 900 euros da dedução no IRS para os segundos filhos ou seguintes que tenham até 6 anos – Atualmente a dedução para um filho no IRS é de 726 euros. Caso existam mais filhos é de 600 euros para maiores de três anos e de 900 euros para menores de três anos. Com esta alteração, os filhos que têm entre três e seis anos passam a ter acesso à dedução de 900 euros. Não se compreende que em contexto de inflação, este valor não seja sujeito a uma atualização. Por outro lado, todos os dados disponíveis indicam que os encargos com os filhos aumentam com a sua idade e não diminuem. Torna-se assim incompreensível que se mantenha a prática de atribuição de valores diferentes na dedução em função da idade. Ressalvando estes importantes aspetos considera-se positivo o alargamento para os 6 anos da dedução mais elevada;
• Abono de família para crianças com mais de 6 anos aumenta de 41 para 50 euros – O abono de família neste momento pode variar entre os 19,46 euros e os 303,44 euros. O valor depende do escalão de rendimentos da família, de características do agregado familiar e da existência e idade dos irmãos. A APFN entende que esta prestação deve ser universal com um mesmo valor idêntico a atribuir a cada criança. Mais uma vez, não se compreende que as crianças mais velhas e que representam encargos mais significativos tenham um abono de família mais baixo. Neste sentido, saúda-se o aumento embora se considere que o abono deve ser igual em todas as idades;
• Valor isento no âmbito do Imposto Municipal sobre as Transações (IMT) para as casas de primeira habitação aumenta dos atuais 93.331 euros para 97.064 euros – mais uma vez o valor é definido de forma cega em relação ao número de pessoas que irão residir na habitação, esquecendo que para mais pessoas será necessária uma habitação maior e, naturalmente, mais onerosa;
• Diminuição de 23% para 21% da taxa marginal do segundo escalão – Trata-se de uma redução da carga fiscal para todos os titulares de imposto. Na medida em que a progressividade do imposto continua a não considerar a existência de filhos, o resultado efetivo é que o alívio fiscal seja o mesmo, pese embora quem tem filhos e em função do seu número esteja a sofrer um substancial aumento dos seus encargos essenciais.
A APFN relembra o seu entendimento de que cada filho, cada pessoa, deve contar como um cidadão, como sinal do seu valor social e do reconhecimento de idêntica dignidade, e que este princípio deve estar refletido nos vários âmbitos das políticas públicas.
Como nota positiva assinalamos o financiamento de lugares em creches privadas que permitirá que mais crianças possam ter acesso a creche gratuita. Manifestamos, todavia, preocupação com a regra de priorização das creches do sector cooperativo, em especial, quando a consequência possa ser a colocação da criança numa creche distante de casa e/ou da escola dos irmãos que obrigue os pais a longas deslocações. É nosso entendimento que a escolha da creche, independentemente da sua natureza, deve ser dos pais e em função da sua organização quotidiana e dos apoios familiares de vizinhança. Caso não seja esse o entendimento, a priorização só deve ocorrer para igual distância, ou seja, caso exista lugar numa creche do sector cooperativo mais próximo da residência relativamente à opção alternativa do sector particular.
A APFN está disponível para trabalhar com o Governo e o Parlamento no esclarecimento e na construção de modelos que não coloquem as famílias numerosas em maior risco de pobreza do que aquele em que já se encontram.
Consulte aqui o contributo integral da APFN ao Orçamento de Estado para 2023