Vale a pena recordar, sumariamente, os principais erros da
educação portuguesa. Aqueles que têm sido, ano após ano, década após
década, cometidos por quase todos os governantes, repetidos por
todos os governos e confirmados pelos partidos que até agora se
ocuparam da questão
Em vésperas da aprovação do programa de governo e
da entrada em funções dos novos ministros, ocorre pensar que em todo
o recomeço há uma oportunidade única: a de corrigir erros atávicos e
iniciar vida nova. Sei que esta é uma ilusão: nunca se começa
verdadeiramente na estaca zero. O mito da vida nova, das manhãs
límpidas e virginais, é sonho adolescente ou totalitário. O peso do
que está e a inércia do que vem de trás são tais que é sempre
necessário "negociar" com o real. É nesse "negócio" que tudo se
ganha e tudo se perde. Os novos ministros da educação e das
universidades têm a capacidade escolher se querem, ou não, ser
vencidos pelo real.
Por isso vale a pena recordar, sumariamente, os principais erros da
educação portuguesa. Aqueles que têm sido, ano após ano, década após
década, cometidos por quase todos os governantes, repetidos por
todos os governos e confirmados pelos partidos que até agora se
ocuparam da questão.
DINHEIRO. A crença nesta falácia maior: mais dinheiro traz mais
educação. Após três décadas de crescimento constante da despesa
pública e privada com a educação, os resultados são confrangedores.
Apesar de todos os ardis administrativos ensaiados, as taxas de
insucesso e de abandono continuam altíssimas. Comparados com os de
outros países, os resultados escolares são desoladores. A preparação
técnica e cultural dos estudantes que terminam o secundário é
insuficiente. Deve ser o sector da vida portuguesa onde mais se
desperdiça e pior se gasta.
PROFESSORES. A convicção de que para educar mais e melhor são
precisos mais professores. A tal ponto que Portugal pode gabar-se de
ter um dos mais baixos números de alunos por professor. Situação que
é agravada pelo facto de existirem milhares de professores
destacados, requisitados e sem aulas. Assiste-se, aliás a um
fenómeno curioso: havendo, por imperativos demográficos, cada vez
menos estudantes, há cada vez mais professores. É possível que haja
muitos milhares de professores a mais. A recusa, que os professores
exprimem com veemência, de ver os pais participar na gestão da
escola ou de deixar as autarquias envolverem-se activamente na
educação, é obra cimeira da sua fortaleza de privilégios. O repúdio
pelos gestores profissionais, aceite pelos políticos do ministério,
é a expressão singela do seu poder.
CENTRALIZAÇÃO. A arrogância burocrática e estatal, acompanhada pela
estratégia dos sindicatos de professores, faz com que o Ministério
da Educação (e do Ensino Superior) tenha o desplante de querer
administrar, a partir de Lisboa, 12.000 escolas, mais de 200.000
professores e mais de milhão e meio de alunos. A desumanização das
escolas não podia ser melhor servida. A ineficiência é outro produto
deste dogma. Como se vê com o concurso anual de colocação de
professores. Da centralização, resulta ainda a uniformização, erro
maior. É a certeza vigente de que o sistema educativo deve ser
totalmente integrado, a fim de impor gestão e procedimentos únicos.
Este modelo, supostamente destinado a combater as desigualdades
sociais, é o mais forte incentivo à mediocridade. Na melhor das
hipóteses, à mediania. Também provoca a degradação do ensino público
e a fuga das classes médias para o privado.
MODAS. A adesão entusiasta a todas as modas que, sucessivamente, se
vão criando para a pedagogia, a organização curricular, a gestão
escolar, a avaliação e a elaboração de programas. Aquilo a que se
chama em Portugal o "facilitismo" é a coroa de glória destas modas:
estudar deve ser um prazer; nunca se deve chumbar; os exames são
fonte de "stress"; os professores e os estudantes são iguais em
responsabilidades, direitos e deveres; os "saberes" e as
"competências" são mais importantes do que os conhecimentos e o
treino; a cultura geral e os clássicos, numa palavra, a educação "livresca",
são privilégios das classes favorecidas. São disparates feitos
políticas.
SISTEMA FECHADO. O sistema educativo e as escolas estão organizados
de modo a proteger as instituições da sociedade. Isto é, a evitar o
controlo social, a interferência dos pais, o interesse das empresas,
o empenho dos profissionais e suas organizações e a responsabilidade
das autarquias. Assim, ninguém presta contas a ninguém. Ninguém é
responsável perante ninguém. Ou antes, os professores são
responsáveis diante deles próprios. O quartel-general deste sistema
reside no ministério, onde "especialistas", burocratas, professores
destacados e delegados sindicais governam de facto.
INSTABILIDADE. Perante a indiferença das autarquias e o silêncio dos
pais, a aceitação, pelo ministério, da instabilidade docente nas
escolas é uma das principais causas do desastre pedagógico e
educativo em que vivemos. Resulta directamente da gestão
centralizada, da uniformização do sistema e da cumplicidade dos
sindicatos que não querem que as escolas sejam da responsabilidade
das autarquias. Apesar das lágrimas de crocodilo dos seus
dirigentes, a instabilidade, o concurso nacional de professores e a
gestão centralizada são armas com as quais os sindicatos forjam o
seu poder e mantém os professores na sua dependência.
A GESTÃO DEMOCRÁTICA. Aquilo a que em Portugal se chama gestão
democrática é tudo menos democrática. A ser alguma coisa, é
demagógica e corporativa. Mas desconfia-se que também não seja bem
gestão. Será qualquer coisa como autogestão docente, com o apoio do
ministério e dos sindicatos, o que equivale a dizer em circuito
fechado. A recusa, feita em nome da democracia, do "director de
escola", é o mais pernicioso dogma da demagogia educativa reinante.
A gestão democrática das escolas é o princípio fundador da
irresponsabilidade dos professores perante a comunidade.
A estes sérios vícios, dever-se-á acrescentar a demagogia, usada por
quase todos os protagonistas. Pelos políticos, que sistematicamente
transformam a educação em prioridade (o que já é do ponto de vista
orçamental) e se limitam a seguir os burocratas, os "especialistas"
e os sindicatos. Pelos sindicatos, que reclamam mais professores,
mais vencimentos e mais privilégios. Pelos professores que se fazem
eleger pelos seus pares e não prestam contas a mais ninguém. Pelos
universitários eleitos pelos estudantes e pelos funcionários. Por
todos estes acima referidos que não cessam de afirmar que querem ver
as comunidades, as profissões e os pais interessados na educação,
mas que tudo fazem para os afastar das escolas e lhes retirar
qualquer capacidade de envolvimento.
Resta acrescentar que estes pecados não se combatem com a virtude.
Muito menos com a repressão escolar. Combatem-se, isso sim, com a
liberdade. Com a diversidade. E com a responsabilidade.