Público Online - 18 Mar 05

 

A última das prioridades
Políticas da família

A classe política portuguesa está pouco sensibilizada para dar prioridade às políticas da família porque esse tipo de questões é também pouco valorizado entre os eleitores.

Marcelo Rebelo de Sousa, que participou esta semana no congresso «Portugal 2005 - Que Crianças? Que Famílias?», no Centro Cultural de Belém, considerou que«a sociedade portuguesa não assume a família como uma prioridade nacional».

As desigualdades nos acessos à saúde, o fim das famílias numerosas, o divórcio e o papel dos avós nas famílias actuais foram algumas das questões que estiveram em foco, entre segunda e quarta-feira, no congresso promovido pela associação Okidoki.

A pobreza é, obviamente, um dos factores conjunturais que mais prejudicam o desenvolvimento saudável e equilibrado das crianças. Entre os países desenvolvidos, Portugal ocupa a vergonhosa posição de ser o quinto com o maior número de crianças pobres (15,6 por cento), referiu o pediatra britânico Nick Spencer, exibindo uma lista da Unicef encabeçada pelos Estados Unidos, alertando para o facto de estes factores serem«como térmitas que minam a coesão social».

Falando enquanto moderador do painel «Políticas integradas para a infância», Marcelo disse que a desvalorização dos problemas da família se deve em parte à abordagem da comunicação social, em especial das televisões, que raramente dão destaque de abertura de noticiários a este tipo de assuntos, exceptuando alguns casos, que têm grande impacto mas que são apresentados sobretudo a um«nível melodramático», em vez de se perguntar as causas e de tentar fazer um enquadramento mais profundo dos problemas.

O pediatra social britânico Aidan Macfarlane havia considerado anteriormente os «media» como um«aliado» vital para se conseguir colocar a política da criança e da infância no topo das prioridades políticas. Macfarlane desafiou mesmo os profissionais do sector a não terem receio de usar os «media» como forma de pressão perante a ausência de iniciativa política, ressalvando, no entanto, que a mudança de mentalidades é uma batalha de médio ou longo prazo.

A pobreza é das maiores ameaças à saúde e ao bem-estar das crianças, o que se verifica mesmo nos países mais desenvolvidos e no futuro se traduzirá inevitavelmente num pesado custo para o Estado. E esse é um factor a que os políticos deviam estar mais atentos, considerou Macfarlane.

A questão dos custos que uma má política da família e da criança acarreta para o Estado voltou depois a estar em foco durante o painel moderado por Marcelo Rebelo de Sousa, com Margarida Neto, comissária nacional para os assuntos da família, a chamar mais uma vez a atenção para os baixos índices de natalidade entre os portugueses (actualmente 1,4) e para as consequências que a pirâmide invertida irá trazer:«Qualquer dia dizemos ´no tempo em que havia irmãos´.» O problema do envelhecimento, acrescentou,«não é só por causa da sustentabilidade da segurança social mas também porque a sociedade precisa da infância».

Margarida Neto considerou que nos tempos actuais há poucos incentivos para as famílias numerosas, realçando que,«hoje, a célula-base da sociedade arrisca-se a ser a empresa e não a família».«Era preciso trabalharmos mais em tempo parcial, mas ao mesmo tempo que tivéssemos maior produtividade», acrescentou, para chamar a atenção para a complexidade do problema.

Numa altura em que, após a mudança de Governo, aguarda a todo o momento o anúncio da extinção da comissão que chefia, Margarida Neto lamenta a falta de continuidade nas políticas e nas estruturas deste sector.

Entre os membros do painel estiveram ainda o pediatra João Carlos Gomes Pedro e Manuela Eanes, presidente do Instituto de Apoio à Criança, que defendeu a importância de maiores apoios às famílias e às mães, uma vez que a«estruturação da personalidade do homem assenta nas relações mãe-filho estabelecidas nos primeiros meses».

A presença de responsáveis de instituições foi depois aproveitada por algumas assistentes sociais e educadoras para lamentarem que as inúmeras instituições de apoio, na prática, muitas vezes não dêem resposta aos problemas existentes. Para além do exemplo referido por uma assistente social que afirmou ter pedido apoio sem sucesso ao Instituto de Apoio à Criança, fizeram ouvir-se algumas críticas à inoperância da Comissão de Protecção de Menores, cujas equipas frequentemente não dispõem dos técnicos necessários para funcionar.

Daniel Sampaio, intervindo noutro painel como psiquiatra mas também na perspectiva de avô, mostrou-se preocupado com a questão da disciplina.«Os avós de hoje foram pais liberais que deram origem a uma geração que tem dificuldade em exercer a autoridade», afirmou.

Recordando as ideias defendidas pelo pediatra norte-americano Berry Brazelton, Daniel Sampaio disse que, depois do amor, o melhor que as famílias podem dar às crianças é a disciplina e advertiu que a«indisciplina na infância está por detrás da maioria das adolescências problemáticas».

Por seu lado a jornalista Isabel Stillwell afirmou, durante um debate sobre famílias numerosas, que os pais de hoje, na medida em que têm menos filhos, tendem a ser mais ansiosos e a dar pouco espaço para que possam crescer.«Queremos encher a vida dos nossos filhos. Nunca os pais se preocuparam tanto. Tendemos a diminuir a frustração ao mínimo, de modo a que nunca estejam tristes e que não batam com a cabeça nas paredes e, depois, quando chegam à adolescência, entramos em pânico absoluto», afirmou.

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