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O Ribatejo - 2 de Maio A
felicidade de ser mãe em três episódios
A comemoração do Dia da Mãe a 5 de Maio foi o pretexto para uma conversa
com três super-mães.
São três histórias diferentes que se tocam em alguns pontos. A primeira, a
de uma mãe que abdicou da sua carreira para ficar com os seus quatro
filhos. A segunda, uma mãe que é professora, que tem cinco filhos e que
necessita de ajuda externa para conciliar a vida académica com a vida
pessoal. E por fim, a terceira história. A de uma mãe com actividade
política, logo, com falta de tempo para estar em casa e que decidiu criar
sozinha dois filhos. Perante estas situações, o método utilizado foi
sempre o mesmo: incutir nos filhos alguma disciplina.
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A super-mãe Conceição deixou tudo pelos filhos
Conceição Geraldes Barba é a matriarca de uma família considerada numerosa
num país onde a média de filhos por casal é de 1,2 filhos. Tem quatro
filhos uma de 21, outro de 20 e duas com 16 e 13 anos e ocupa-se deles
a tempo inteiro. Trabalhou como Educadora de Infância até estar grávida da
filha mais nova, altura que coincidiu com a sua mudança da Azambuja para
Santarém. Se até a essa altura contou com algum apoio nas actividades
domésticas, a partir da quarta gravidez decidiu abdicar do emprego e
transformou-se em mãe a tempo inteiro. Já lá vão 13 anos e garante hoje,
aos 45 anos, não estar arrependida.
Não é difícil imaginar as dificuldades do dia-a-dia desta super-mãe, mas
Conceição Barba desdramatiza: "Nada já me faz confusão. É uma educação que
eu trago de minha casa, já era assim. Sempre fui habituada com famílias
grandes". Conseguimos perceber a facilidade com que encara as coisas
quando começa a falar em números. Afinal, Conceição tem mais sete irmãos,
e o seu marido tem também seis irmãos. Já a sua mãe tinha tido oito
irmãos. Fazendo as contas, a sua mãe tem 24 netos e a avó consegue reunir
à sua volta 35 netos e 60 bisnetos.
Não tendo sido uma coisa premeditada, Conceição Barba optou por ter os
filhos que foram surgindo. A sua formação católica tem também aqui o seu
peso. "Nunca pus em causa a questão de abortar. Antes um filho a mais do
que um a menos". De qualquer forma, confessa, nunca colocou a hipótese de
ter uma família pequena. "Não concebo uma família sem gente à roda, sem
partilha, sem a inter-ajuda. E pelo conhecimento que tínhamos, os filhos
únicos acabam por ficar mimados, exigentes, nervosos. Quando há mais
filhos não há tempo para essas coisas".
Conceição Barba é uma mãe do mais prático que pode haver. Arruma e limpa a
casa, faz comida e tem sempre pessoas em casa para comer. "Como moro ao pé
do liceu, nunca sei quantas pessoas vêm almoçar a casa com as minhas
filhas. Tenho como certos, em cada dia, dois amigos delas que moram longe
de Santarém e que por isso almoçam sempre lá em casa. Mas às vezes vêm
mais". Não há crise. Abre-se o congelador e arranja-se qualquer coisa.
Dois do quatro filhos de Conceição Barba estão a estudar na universidade,
em Lisboa, e apenas dois continuam toda a semana com os pais. De qualquer
maneira, os que vão para Lisboa têm a tarefa facilitada. A mãe dedica dois
dias da semana para cozinhar e manda-lhes sempre as refeições para toda a
semana. Tudo embalado e separado por doses. O método é extraordinário.
Quando eram pequenos, a confusão era maior. Conceição era um autêntico
chofer a tempo inteiro, já que os transportes colectivos não respondem às
necessidades, passando o dia a levá-los à escola, à catequese, ao judo, ao
inglês... A tarefa só não era mais complicada porque a vizinhança dava uma
grande ajuda. "Havia uma vizinha de bairro que trabalhava e entrava às
oito e meia. Pegava no carro e dava a volta por várias casas e apanhava os
meninos que iam para a Escola Mem Ramires ou para a D. João II. Depois à
hora de almoço ia lá eu buscá-los. Fazíamos assim escala entre as mães do
bairro. No início do ano, íamos buscar os horários à escola e logo ali nos
sentávamos no café a combinar as tarefas de cada uma". É, pensamos, um
caso exemplar em Santarém. No Bairro de S. Bento, onde vivem várias
famílias numerosas, existe mesmo uma cultura de bairro. Ir pedir o raminho
de salsa, o ovo ou a lata de atum ao vizinho é coisa que acontece mesmo.
Mal começa o bom tempo, as crianças encontram-se todas as noites no jardim
e andam por ali a brincar.
As tarefas domésticas lá em casa são sempre divididas. "Simplificamos
tudo. Cada qual faz a sua cama. Se eles não têm tempo de arrumar antes de
ir para a escola, eu puxo a porta do quarto e fica assim até eles
voltarem. Não faço escabeche por causa disso, mas também não os deixo sair
à tarde para ir andar de bicicleta sem arrumar o quarto", diz Conceição.
Organizar, poupar e partilhar
Organização, poupança e partilha são palavras-chave do seu método. "Eles
aprendem a poupar, a trabalhar e a partilhar. Os dois que estão em Lisboa
vão fazendo uns trabalhos para ganhar uns trocos, como figuração em
novelas. Tem de ser". E quanto às compras, marcas é coisa para esquecer:
"financeiramente, é complicado manter uma família numerosa. Ténis de marca
nem pensar. Só se for presente de anos. A mais pequena quis uma bicicleta
no aniversário, que foi partilhado entre mim, as duas avós, o padrinho e a
madrinha. Os mais velhos tiraram a carta, aos 18 anos, mas eu só lhes dei
meia carta a cada um. E eles trabalharam, desenrascaram-se para ter o
resto".
A partilha é essencial entre todos, seja da roupa, das responsabilidades
ou das tarefas. "Há certas regras cá em casa que têm mesmo de haver. Uma
põe a mesa, outra levanta, outra cozinha, outra limpa o pó, limpa a casa.
Os meus filhos estão habituados a fazer tudo. Eu não admito desarrumação.
Porque se há tempo para fazer uma directa e para ir ao cinema, também há
para arrumar". E diz orgulhosa: "sentimos que eles estão muito mais bem
preparados. Depois emprestam as coisas uns aos outros. Dão-se bem uns com
outros. Somos um verdadeiro clã".
Para os pais que optam por ter um só filho, Conceição Barba deixa uma
mensagem: "O segundo filho não é o dobro do trabalho do primeiro, porque
nós acabamos por simplificar as coisas. Quando mais filhos temos, mais
facilitada está a vida. Deixa de haver tempo para birras".
Conceição Barbas está inscrita na Associação Portuguesa de Famílias
Numerosas, com sede em Lisboa, e defende algumas das lutas levadas a cabo
por aquela instituição, como a questão da cobrança da água, que é um dos
inconvenientes das famílias numerosas. "O que eu gasto de água per capita
é muito mais do que uma família pequena, porque eu vou subindo de
escalões. Ainda se pudéssemos pôr tudo no IRS, mas não podemos".
Conceição Barba defende a existência de uma remuneração para as mulheres
que optaram ficar em casa com os filhos. "Eu estou em casa, não ganho. Mas
estou a investir na família. Estou a trabalhar para o Estado e não é
pouco. Estou em casa com eles, estudo com eles, faço de explicadora, para
além das matérias das aulas, dou-lhes educação cívica. Faço os trabalhos
com eles, vou para as bibliotecas, arranjo-lhes livros, vou à Internet,
tiro fotocópias. É um investimento na geração de amanhã". E garante: "Se
houvesse um apoio para a mãe que está em casa tenho a certeza que muitas
optavam por ficar.
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Maria Joana
Filhos e trabalho só com a ajuda da avó
O caso de Maria Joana Guedes é diferente do de Conceição Barba, mas o
método acaba por ser o mesmo. Maria Joana tem, tal como a sua amiga, 45
anos, mas é mãe de cinco filhos. O mais velho tem 17 anos, o outro a
seguir tem 16, o terceiro tem 12, há um com 11 e o mais pequeno tem 7.
Maria Joana vive em Santarém mas é professora do Politécnico de Tomar, o
que implica algumas viagens por semana rumo a norte do distrito. O seu
marido é professor universitário e tem um escritório de advocacia em
Lisboa. Apenas vem a casa ao fim-de-semana.
Perante este cenário, a sogra de Maria Joana, que vive com a família,
assume especial destaque na educação dos cinco rebentos, um ainda na
primária e os outros no terceiro ciclo. Segundo diz, "a avó representa a
estabilidade. A pessoa que está sempre com eles, que os ajuda com os
trabalhos da escola. Embora eu também esteja quase sempre, porque vou
apenas a Tomar três dias por semana, o que implica um número relativamente
reduzido de horas de trabalho fora de casa, mas tenho de contar com um
número muito maior de horas de trabalho dentro de casa, a preparar aulas,
investigar".
Para as tarefas domésticas, Maria Joana conta com uma empregada, mas isso
não significa que os mais pequenos estão dispensados dos trabalhos em
casa. "É como na tropa. Ele têm de fazer o que digo, têm as suas tarefas
individuais e as tarefas para o colectivo da família. De 5 em 5 dias há um
que arruma a cozinha. Têm de ter os quartos arrumados, embora eu não seja
assim tão rigorosa como a Conceição. De vez em quanto está tudo um
inferno", diz em tom divertido.
O seu truque para gerir o dia-a-dia familiar é a auto-suficiência. Segundo
Maria Joana Guedes "estão todos muito auto-suficientes. A mais nova
atravessa a rua está a escola (vive em frente à Escola Primária de
Salvador). Vão todos a pé para as respectivas escolas e sozinhos. No
primeiro dia fui com eles. Depois passaram a ir sem mim. A única hipótese
que tenho de gerir a minha família é dar o máximo de auto-suficiência a
cada um deles." Na opinião desta mãe, esta estratégia já não seria
possível se tivesse um filho único, "que exige a nossa atenção
permanentemente".
Maria Joana teve os cinco filhos com "um espírito católico de aceitação.
Vêm, são bem vindos. Apesar de na altura não ter condições para os ter.
Passei muitas dificuldades, mas tive apoio da família. Muita pouca gente
tem condições para ter todos estes filhos". Se houvesse apoios para as
mães que ficam em casa, Maria Joana Guedes optava por cuidar dos filhos a
tempo inteiro. Mas esse é um luxo a que poucos casais se podem dar. "Hoje
em dia é desumano ter muitos filhos. Os avós vão para os lares, as
crianças para os infantários e as casas são muito pequenas para famílias
numerosas. São poucas divisões e pequenas, e a preços caríssimos".
Financeiramente, criar cinco filhos é obra complicada. É infalível a
estratégia que utiliza quando eles pedem roupa ou calçado de marca:
"digo-lhes que marcas são para novos ricos, que são de mau gosto". Quanto
à educação superior dos filhos, anda a fazer contas. "Já andei a fazer
contas e nunca vou ter mais de dois filhos ao mesmo tempo no superior.
Isto se não chumbarem, se tudo correr bem, se não resolverem mudar de
curso". O mês de Setembro é sempre complicado para o orçamento familiar.
"São logo 80 contos em material escolar".
Maria Joana Guedes está em Santarém há apenas três anos e confessa ainda
viver "em lua de mel" com a cidade. "Acho Santarém uma cidade óptima para
viver. Quando morava no Porto, onde dava aulas, passava metade do tempo em
bichas de trânsito". A sua família materna é do norte e, para manter a
tradição, Maria Joana é originariamente de um clã numerosa. Lá em casa
eram nove irmãos. A sua mãe já vai nos 37 netos.
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Manuela Cunha
Mãe por inteiro só ao fim de semana
O trabalho no grupo parlamentar dos Verdes e o desempenho da função de
relações internacionais daquele colectivo, a juntar ao lugar de vereadora
na Câmara de Almeirim, ocupam grande parte dos dias de Manuela Cunha. Ao
fim do dia, quando chega a casa, cansada da agitação da capital, tem à sua
espera dois simpáticos rapazes de 12 anos, o João e o Francisco. Embora já
estejam habituados às ausências da mãe, ainda reclamam quando não está.
Aliás, para eles ficarem mesmo satisfeitos a mãe tinha de estar presente
as 24 horas do dia. Apesar de tudo, Manuela Cunha faz tudo por não faltar
aos momentos mais importantes da vida dos seus gémeos, e o dia de
aniversário é sagrado.
Lá em casa só vivem eles os três. Foi assim desde sempre. Manuela Cunha
explica que tomou a decisão de avançar com a gravidez, apesar de ser um
investimento a solo, e garante não estar arrependida. "Foi uma feliz
decisão". Apesar de optar por uma família mono-parental, Manuela Cunha
considera que as crianças devem ter uma família tradicional, "mas a vida
leva a outros rumos e, tomada a decisão, há que não criar traumatismos nas
crianças".
O facto de serem gémeos leva a que vivam uma situação muito específica,
porque sempre fazem companhia um ao outro. Manuela Cunha tenta levar com
os seus filho uma vida mais normal possível, dentro das diferenças que
existem em relação a outras famílias. "Os meus filhos têm uma noção
bastante forte de família, que é composta pela avó, pelas várias tias e
primos. Tento participar com eles nas festas, no Natal, nos aniversários,
nas férias. Para eles são importantes estes rituais familiares."
O filhos de Manuela Cunha estiveram em casa até aos dois anos, tendo ido,
depois dessa idade, para o infantário. Nessa altura, Manuela tinha uma
empregada em casa, que os ia buscar ao infantário, que lhes dava banho e
os metia na cama. Mas não dormiam antes da mãe chegar, para contar a
história da praxe. Manuela recorda que, quando eles contavam o seu
fim-de-semana à educadora no infantário a mãe era sempre a contadora de
histórias.
A opção de ficar a viver em Almeirim, em vez de Lisboa, teve muito a ver
com eles. "É bom para as crianças viverem em meios pequenos. Vivem perto
das escolas, recebem os amigos em casa, os pais conhecem-se uns aos
outros. Há mais segurança".
Manuela Cunha está a adorar a aventura de ver crescer as suas crianças.
"Ficamos boquiabertas com cada gracinha. Cada idade tem um charme
incrível. Gostava de brincar mais com eles, de ter mais momentos de lazer.
Nem sempre é possível, mas não prescindo de viver com os meus filhos os
momentos importantes para eles, as festas na escola, os teatrinhos". Dos
vários carnavais, lembra a dureza das noites em que ficava a costurar os
fatos para eles desfilarem no dia seguinte. E lá ia, e vai, toda orgulhosa
ver passar os seus meninos no cortejo.
As ausências obrigatórias não se traduzem, quando está presente, numa
atitude mais condescendente. Como explica, é uma mãe com regras, "do
estilo regime militar". "A sobrevivência da família passa por regras. Sou
rigorosa na hora do deitar e nas refeições. Quando estamos à mesa é para
comer, não é para ver televisão". Os amigos deles são bem vindos lá em
casa, mas há que respeitar o espaço da mãe. Manuela Cunha é daquelas mães
que alinham nas brincadeiras dos filhos, que partilham a sua vida com
eles, na medida do possível, e não se culpabiliza pelas ausências. "Sempre
lhes disse que eles não eram os únicos a ter uma mãe ocupada. Alguém tem
de fazer este tipo de trabalhos". Manuela Cunha foi eleita para a Câmara
de Almeirim pelos Verdes. Se os mais pequenos pudessem votar, tinha muitos
mais votos por certo. Os filhos fizeram um lobby entre os amigos, e todos
andavam a convencer os pais a votar em Manuela. Só que o entusiasmo na
altura da campanha não tem equivalência depois com o resultado das
eleições e Manuela Cunha lá tem de preparar os filhos para os resultados
menos sorridentes.
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Mães, a culpa não é vossa
Em Portugal nasce-se pouco e morre-se ainda menos. Somos uma população
envelhecida, como já várias vezes foi dito. Mesmo os que arriscam a ter
filhos, não se aventuram muito. A média nacional de rebentos por casal é
da ordem do 1,2. A culpa não é das mães, de certeza. E como estamos
prestes a comemorar o Dia da Mãe, a 5 de Maio, até seria deselegante que
lhe atribuíssemos responsabilidade tão pesada. O facto é que não há
condições. Isto de ter uma família numerosa não é para qualquer um. Hoje
em dia, pai e mãe têm de trabalhar, porque o ordenado só de um não chega
para cobrir as despesas da casa. Mas o total do orçamento do casal também
não comporta o pagamento de uma empregada para tomar conta dos meninos.
Logo, quantos menos filhos melhor, segundo esta perspectiva.
Quem anda mesmo preocupada com esta situação é a Associação Portuguesa de
Famílias Numerosas, que tem entre os seus objectivos a defesa da família
tradicional, com mais de três filhos, pelo menos. Segundo consta no site
desta Associação, o número de famílias numerosas tem vindo a diminuir de
forma preocupante em Portugal. E a sua diminuição está a provocar sérios
danos no equilíbrio da população nacional. Os dados indicam que do total
de famílias existentes no país, apenas sete por cento, ou seja, 240 mil,
são consideradas famílias numerosas.
Compreende-se. Afinal, não é nada fácil ter uma família com três ou mais
filhos. Os responsáveis por famílias numerosas atestam as dificuldades a
que estão sujeitos. Os números dizem tudo. Um casal com dois rebentos pode
ver o seu orçamento baixar para 60 por cento, e para 30 por cento se
acrescentar aos outros mais quatro crianças. A Associação defende algumas
medidas para minimizar os problemas destas famílias. Desde logo, a
existência de uma política familiar. Mas pronto, passemos ao que é mais
fácil de implantar: o cartão de família, como instrumento agregador das
facilidades que forem sendo concedidas, por entidades públicas ou
privadas, às famílias numerosas; o bilhete de família para actividades
culturais, desportivas ou recreativas; promover a revisão, em articulação
com as entidades competentes, dos escalões da água e das tarifas da
energia, para uso doméstico, em função dos padrões internacionais do
consumo per capita; actualizar e divulgar o "Guia da Família" que englobe
de uma forma clara, sistemática e integrada os direitos, benefícios e
regalias e as formalidades inerentes ao seu fácil exercício ou acesso; e
despenalizar fiscalmente as Famílias Numerosas. São muitas mais as medidas
defendidas pela Associação, as quais pode consultar no site
www.apfn.loveslife.com.
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