Público
- 01 Dez 07
Abuso de poder
corporativo ou abuso de poder ministerial?
Luís Brito Correia
Não queremos que
os nossos netos nos condenem pelo holocausto dos
fetos
O prof. Vital
Moreira, conhecido defensor da despenalização do
aborto, veio defender, no PÚBLICO de 20/11/2007, que
os médicos que consideram eticamente inaceitável a
prática do aborto não podem "impor oficialmente os
seus padrões de ética profissional aos demais
profissionais que não compartilham desses valores e
não desejam deixar de cumprir as suas obrigações
profissionais"; que "nenhuma ordem profissional pode
considerar infracção disciplinar a prática de actos
profissionais não só lícitos mas mesmo
profissionalmente devidos (salvo objecção de
consciência)"; que a recusa da Ordem dos Médicos a
adaptar o seu código deontológico à lei "é
inaceitável", é um "intolerável desafio à primazia
da lei e do Estado de direito", é um "abuso de poder
corporativo".
Com este discurso,
esquece o ilustre constitucionalista que a
Constituição continua a dispor que "a vida humana é
inviolável" (art. 24.º). Obviamente, a vida humana
deve ser protegida desde que existe vida humana. Há
alguns (poucos) médicos que dizem que têm dúvidas
sobre se o embrião (até às 8 semanas) é um ser
humano; mas nenhum médico conseguiu provar que o ser
resultante da fecundação (ou concepção) não tem vida
(como poderia, se as células se multiplicam a uma
velocidade espantosa?) nem que esse ser vivo não é
humano: como poderia, se passadas poucas semanas o
é, inequivocamente? Mudou de natureza? Em que
momento e porquê? Ou seja, todos os médicos sabem,
hoje, que o aborto equivale a matar um ser humano.
E todos os médicos
sabem, hoje, que a chamada "interrupção voluntária
da gravidez" causa, frequentemente, sofrimentos à
mulher: aumenta em 30% o risco de cancro da mama,
gera depressões, disfunção sexual, esterilidade,
tendência para aborto espontâneo, etc. - males que
os médicos têm o dever de tratar e prevenir.
Esquece o ilustre
constitucionalista que, no referendo, se perguntava
"Concorda com a despenalização da interrupção
voluntária da gravidez (...)". Ou seja, pretendeu-se
tornar não punível e, portanto, lícito para a mulher
(e, por arrastamento, para o médico e a parteira)
abortar voluntariamente. Isso, pretendendo,
alegadamente, acabar com o aborto clandestino e
defender a "dignidade" da mulher. Não se perguntou
se passaria a ser obrigatório para todos os médicos
fazer abortos voluntários (salvo objecção de
consciência - entre parênteses, como se esta fosse
rara...) nem para todos os contribuintes pagá-los.
Esquece o ilustre
constitucionalista que o resultado do referendo de
2007 não foi juridicamente vinculativo (porque
votaram apenas 43,57% dos eleitores, tendo votado
"sim" apenas 25,8% dos eleitores), embora seja
politicamente relevante (como foi o de 28/6/1998).
Nega o ilustre
constitucionalista que, acima da lei (aprovada pela
maioria dos deputados ou pelos governantes), há
valores de justiça e de consciência que merecem mais
respeito do que as normas criadas pelos homens. Com
tal atitude, manifesta um juspositivismo semelhante
ao que esteve na origem do holocausto nazi e dos
gulags comunistas de tão má memória. E declara uma
intolerância que é tudo menos democrática.
Aliás, o recurso para o
Tribunal Constitucional de impugnação da
constitucionalidade da Lei n.º 16/2007, de 17/4,
ainda não foi julgado.
Não é o código
deontológico aprovado pela Ordem dos Médicos (isto
é, pela esmagadora maioria dos profissionais) que é
abusivo, mas a tentativa de imposição ministerial de
uma orientação ética que fere profundamente a
consciência e a dignidade da maioria dos médicos.
Quando a lei é
gravemente injusta, todos temos o direito
constitucional (art. 21.º) e natural de resistência.
Não queremos que os nossos netos nos condenem pelo
holocausto dos fetos, a que estamos a assistir (e já
lá vão mais de 3000, que Deus tenha em descanso) -
como, hoje, muitos condenam os nossos pais e avós
pelos males do fascismo e do comunismo. Todos nós
precisamos que os médicos nos tratem da saúde, não
que matem os nossos filhos.
Advogado e ex-mandatário
da Plataforma Não Obrigada