Diário de Notícias - 29
Dez 06
2007: não
desconseguir
Maria José Nogueira
Pinto
Os momentos iniciáticos e inaugurais são da condição
humana, próprios do sentimento profundo de que é
preciso começar de novo, sabendo que se pode começar
de novo. Sou de direita mas nunca me entendi muito
bem - confesso-o - com o pessimismo antropológico,
excepto na sua versão mais comezinha expressa na
imprecação frequente, do género "Caramba, esta gente
não vale nada!", que em regra só profiro em estado
de desespero.
O fim e o princípio de cada ano, entre balanço e
propósito firme, são actos inaugurais, oportunidades
para parar de andar em círculos e olhar em frente.
Os angolanos têm um verbo - pelo menos um - a mais
que nós, "desconseguir". É um verbo astuto,
providencial nos tempos que correm, tantas vezes os
destinos colectivos desconseguem. Desconseguir não é
bem fracassar, não é de modo algum não ter sido
capaz, é outra coisa. É um resultado ao contrário do
esperado. Mas ainda um resultado. Fez-se tudo para
conseguir este ou aquele objectivo mas, por um erro
(ou erros) cometidos no processo de conseguir,
desconseguiu-se. É um verbo vigoroso, ao contrário
de falhar ou fracassar, e tem implícita a
possi-bilidade de novas tentativas que eliminam,
pelo êxito, o prefixo "des".
Portugal tem desconseguido muitas coisas
importantes, decisivas mesmo, nos últimos dez anos.
A profunda crise político- -partidária tem
obnubilado a importância do "Bom Governo" - das
pequenas comunidades, das cidades, do País, - que é
um conceito anterior aos partidos, um direito dos
povos de que os partidos são, apenas, intérpretes e
agentes.
No "Bom Governo" está implícita a ideia de conseguir
o quê? Andar para a frente, claro! Sermos capazes de
alcançar objectivos dentro de desígnios claros, no
tempo e no espaço em que vivemos, colectivamente
capacitados para tal.
Os líderes dos Bons Governos sabem que a primeira
condição de conseguir é não permitir que o cidadão
comum dê como certo o "desconseguimento".
Quem dirigiu uma instituição, uma organização, um
pequeno grupo ou a sua própria casa sabe bem que é
assim.
É claro que irrita que pequenos "conseguimentos"
sejam apresentados como vitórias, e se abuse de
hipóteses para animar os cidadãos, acabrunhados
pelos péssimos indicadores que, de fora, nos atiram
à cara, e pelo seu quotidiano cada vez mais duro.
Mas para cada coisa há um copo meio cheio ou meio
vazio. Saber fazer esse equilíbrio, entre lucidez e
expectativa, é essencial.
Mas não basta acreditar que vamos conseguir. É
preciso que tornem claro o porquê, o como e o para
quê. O que quase nunca acontece... Curiosamente, os
manuais de gestão, mesmo aqueles muito primários que
se vendem nos aeroportos (best-sellers, é
claro!) ensinam estas coisas básicas: explicar,
motivar, avaliar, monitorizar, formar equipa,
liderar, comunicar, etc... Na gestão, os resultados
são incontornáveis, para bem e para mal.
No Bom Governo também. Mas na rotatividade
partidária, no afã da oposição, na brega política,
no experimentalismo governativo não. Aqui, os
resultados são desconsiderados, aparentemente nem
sequer existem, diferidos para o termo dos mandatos,
vésperas de eleições, caciquismo, pão e circo.
Portugal tem um problema - a falta de tempo - e os
portugueses outro - a falta de ânimo. Por isso
desconseguimos. Para compensar o tempo perdido no
nosso desenvolvimento, na capacitação da nossa
gente, no revigoramento da vontade, na determinação
do esforço é preciso que todos, ou pelo menos a
maioria, perceba e queira este combate que não é só
de sobrevivência, mas de futuro. E que o combate
seja claro, justo, racional e salutar.
Aproveitando os últimos dias de 2006 para balanço, e
a iminência de um novo ano (vida nova!) penso - à
minha pequena escala - no que consegui e vou
conseguir, no que desconsegui e não vou mais
desconseguir, certa que tudo o que fazemos podia ser
melhor, mas fechando um ciclo e abrindo outro com
muita alegria e muita esperança, tanto no fecho como
na abertura. Porque pensar e fazer, com os outros e
para os outros, é o que mais me fascina.
Um desafio à nossa capacidade de intellegere,
de execução, de concretização, tão prospectiva
quanto realista.
A Portugal e aos portugueses só posso desejar isso
mesmo: um 2007 bem conseguido. "O fazer a hora sem
esperar o acontecer."