Público - 29
Dez 06
Número de famílias em apuro financeiro aumentou
seis vezes desde 2000
São cada vez mais os casos de pessoas com
rendimentos elevados com problemas de
sobreendividamento
A família-tipo sobreendividada portuguesa tem três
elementos e um rendimento mensal à volta de mil
euros. Os cônjuges têm entre os 35 e os 45 anos e
habilitações académicas ao nível do ensino
secundário.
O desemprego de pelo menos um dos elementos do casal
é a causa principal das dificuldades em continuar o
pagamento dos créditos contraídos - também há
situações geradas por doença ou divórcio - e que
leva as pessoas em causa a pedir apoio à Associação
Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco).
Pedidos de apoio disparam
O número de processos abertos pela Deco entre 2000 e
o final do passado mês de Novembro foi de 3437.
Faltando contabilizar ainda os dados de Dezembro, o
número provisório de casos abertos em 2006 é de 840,
ou seja, quase seis vezes mais do que os pedidos de
apoio formulados em 2000 (152), primeiro ano em que
funcionou o gabinete de apoio ao sobreendividado
daquela associação. Ao longo dos anos, o número de
processos tem crescido sempre: 241 em 2001; 379 em
2002; 515 em 2003; 573 em 2004; e 737 em 2005.
A distribuição geográfica das famílias em apuros
abrange todo o território nacional, com natural
predominância nas áreas da Grande Lisboa e do Grande
Porto. Há agregados familiares operários
sobreendividados, mas também de professores, médicos
ou economistas. A tendência mais recente é para o
aparecimento de famílias com rendimentos elevados,
na ordem dos 2500 euros mensais.
Os casos que a Deco aceita apoiar são os de
sobreendividamento passivo, isto é, consumidores que
contrataram de boa fé e querem pagar o que devem,
mas não conseguem. Como as instituições de crédito
têm igualmente interesse na resolução dos casos, não
surpreende que cerca de 80 por cento dos processos
recebidos dêem lugar a um processo de renegociação
da dívida. O tempo médio de resolução é muito
variável, dependendo em grande medida da
complexidade dos processos - há casos em que estão
em jogo 15 ou 20 créditos diferentes, envolvendo
numerosas instituições financeiras.
"O grande problema é o peso dos créditos no
orçamento familiar", diz Natália Nunes, coordenadora
do gabinete de apoio ao sobreendividado da Deco.
Esta jurista considera que o aumento das taxas de
juro à habitação, por exemplo, não afecta as
famílias que se endividam de "forma responsável", ou
seja, as que respeitam a taxa de esforço, que
estabelece que os encargos não devem ultrapassar 40
por cento dos rendimentos familiares. O problema,
acrescenta, é que "há famílias com créditos pessoais
de 50 ou 60 mil euros".
Como é que tais situações de endividamento excessivo
podem acontecer? "Há hoje uma maior facilidade no
acesso ao crédito pessoal", responde Natália Nunes.
"Mas o consumidor português não está preparado para
lidar com esta realidade", acrescenta. Como a
educação financeira dos cidadãos é quase
inexistente, aquela responsável acredita que o
sobreendividamento "continuará a aumentar". n Carlos
Pessoa