Público - 28
Dez 06
De bom aluno a mau exemplo
Paulo Ferreira
Portugal passou a ser apontado por Bruxelas como o
exemplo a não seguir pelos países que vão aderir ao
euro. Mais do que procurar responsáveis políticos, o
país deve envergonhar-se e assumir isso como uma
derrota colectiva
"Até que ponto deve a oportunidade perdida por
Portugal servir de alerta para os países que vão
aceder ao euro?" A pergunta é feita num documento da
Comissão Europeia divulgado ontem - escrito por
Orlando Abreu, um economista português ao serviço da
Direcção para as Economias dos Estados Membros - e
merece, como se desconfiava, resposta positiva.
Não há, nesse trabalho de apenas seis páginas, uma
novidade que não seja esta: numa década, o país
passou de bom aluno ao cábula que é agora
apresentado a todos como o exemplo a não seguir. O
primeiro a tomar nota disso é a Eslovénia, que
segunda-feira será o 13.º país a aderir à moeda
única.
Portugal, já sabemos, cometeu uma sucessão de erros
graves na segunda metade da década de 90. Embriagado
pela descida abrupta das taxas de juro, o país
consumiu o que não tinha, não produzia nem quis
passar a produzir. Como consequência, endividou-se
perante a banca e perante o exterior. A política
orçamental foi irresponsavelmente laxista e toda a
margem de manobra dada pela descida das despesas com
a dívida pública e pelo aumento das receitas fiscais
foi enterrada em gastos correntes do Estado.
Se há um político a crucificar ele não pode ser
outro senão António Guterres.
Mas a entrega de culpas ao poder político não pode,
nem deve, descansar todos os outros espíritos. A
responsabilidade deste desastre colectivo é,
efectivamente, repartida pelo Estado e pela
sociedade civil.
Não são os governos que são avessos ao risco,
preferindo o aconchego do mercado interno, protegido
de concorrência externa. E a degradação económica do
país também passa muito por aí. Em plena euforia,
muitas empresas deixaram de produzir os chamados
bens transaccionáveis - aqueles que podem ser
exportados ou que podem sofrer concorrência de
produtos semelhantes importados - e refugiaram-se
nos serviços ou na construção civil, escapando à
pressão de empresas internacionais mas perdendo, ao
mesmo tempo, capacidades para competir em mercados
globais. Agora que a febre do consumo e da
construção passou essas fragilidades ficam à vista.
Também não foram apenas os governos que praticaram
políticas salariais irrealistas para a evolução da
produtividade. Quando há aumentos de ordenados
desajustados na função pública prejudica-se o
equilíbrio das contas públicas. Mas quando isso
acontece no sector privado é a capacidade
competitiva das empresas que fica em risco. E quando
a eficiência não acompanha as remunerações, há
essencialmente um problema de gestão na empresa.
Tudo isto é referido nesse pequeno documento, que
pretende lembrar aos países que vão aderir ao euro
que "os bons tempos não duram sempre". E que, por
isso, há que fazer pela vida, deixando de pensar que
se pode viver de rendas, venham elas de mercados
protegidos ou da folga dada pelo crédito barato.
Que o mau exemplo em que nos tranformámos sirva para
nos confrontar com a vergonha que temos que sentir,
sejamos patrões ou empregados, consumidores ou
produtores. A oportunidade foi única e não soubemos
fazer nada com ela.