Jornal de Notícias - 22
Dez 06
Aborto: votar não coloca Portugal pioneiro do
Humanismo
Matilde Sousa Franco
Na Faculdade de Direito da Universidade do Porto foi
lançada a reimpressão do actual livro Vida e
Direito. Reflexões sobre um Referendo. Porque a Vida
é um Direito!, Principia, 1998. Uma obra a não
perder, essencial para a compreensão desta
problemática.
Apresento uma súmula da intervenção que fiz a
propósito do aborto. No texto que apresentei na
Assembleia da República, em 19 de Outubro p.p., como
Declaração de Voto aquando da votação do referendo
do aborto, expliquei que tenho profunda discordância
quanto a este assunto. Fui a única deputada que
invocou objecção de consciência para votar contra,
na medida em que tenho disciplina de voto (outros
deputados de movimentos agregados aos partidos têm
liberdade de voto). Aliás, fui a única deputada a
votar contra (com um deputado do Partido da Terra).
O aborto não é de políticas de esquerda ou direita,
como finalmente se reconhece, nem é um problema
apenas religioso, apesar de cristãos, islâmicos,
judeus, hindus, budistas se lhe oporem. Cito um
pouco da Declaração de Voto. O aborto "é sobretudo
uma questão de consciência, mas até um assunto
pragmático... pode haver uma diminuição da
população. Por razões práticas, desde recentemente,
a Suécia e a França fomentam políticas
pró-natalidade...
Proponho: adequada prevenção do aborto, apoio à
maternidade, agilização da adopção (existem muito
mais pedidos de adopção do que crianças adoptáveis),
etc. Pretendo que se incentive uma cultura de
afectos, essencial numa sociedade mas justa e
solidária.
O referendo não vai sequer resolver graves problemas
das mulheres. Não quero ver mulheres nos tribunais
e, para isso, é necessário alterar em profundidade a
legislação... Ao longo dos séculos, Portugal tem
tido a coragem de se afirmar a nível mundial pelo
Humanismo, sendo pioneiro nas abolições da
escravatura e da pena de morte, vanguardista no
apoio a crianças, na defesa e valorização das
mulheres e nos cuidados para com os mais fracos em
geral.
Voto contra este Projecto de Resolução,
inclusivamente porque gostava que, mais uma vez,
Portugal se distinguisse agora por ser pioneiro
mundial do Humanismo, numa renovada cultura a favor
dos Valores e da Vida".
Na Universidade do Porto, sublinhei alguns aspectos
muito pragmáticos e da maior actualidade. Depois de
eu ter escrito a Declaração de Voto, a Comissão
Europeia recomendou políticas pró-natalidade,
insertas no que significativamente chamou Cinco
maneiras de desactivar a bomba de relógio
demográfica.
A Alemanha apressou-se a implementar medidas nesse
sentido, mas a "a bomba de relógio demográfica" é
previsível e visível há décadas e, entretanto, nos
países onde se liberalizou o aborto, diminuíram em
largos milhares os nascimentos, aumentando o total
de abortos (legais + clandestinos), o que
contribuiu para os gravíssimos problemas de falta de
mão de obra, falta de quem pague a segurança social
dos mais velhos, etc; os milhões de imigrantes é que
têm ajudado os europeus.
No primeiro Fórum sobre o Futuro Demográfico da
Europa, realizado dias depois, em 30 de Outubro
p.p.,Vladimir Spidla, membro da Comissão Europeia
responsável pelo Emprego, Assuntos Sociais e
Igualdade de Oportunidades, disse: "uma Europa que
promove renovação demográfica é uma Europa em que se
procuram criar as pré condições para que os Europeus
estejam aptos a atingir os seus objectivos
familiares".
Portugal tem um défice de 47 mil nascimentos/ano.
Para haver renovação de gerações era necessário que
nascesse uma média de 2.1 filhos por cada mulher,
mas essa média é de apenas 1.4. Desde 1983
verifica-se continuo decréscimo de número de partos,
tendo nascido menos 900 mil crianças.
Cito Edgar Morin, A Sociedade em Busca de
Valores:"... a sociedade desintegra-se... o
único cimento que resta é o sentimento da
solidariedade vivida".
Portugal pode e deve, por razões históricas e de
auto-estima, ser agora outra vez uma luz para o
Mundo, concretizando afinal o sonho do Re António
Vieira, de Fernando Pessoa e de tantos outros.
Espero que com o voto muito expressivo no Não ao
aborto, Portugal concretize este sonho secular de
ser cabeça de um império espiritual mundial, numa
solidariedade vivida e motor de renovado Humanismo.