Expresso -
16
Dez 06
Número de abortos nos hospitais públicos será
“marginal”
Maria Barbosa
Obstetras não sabem como vão poder responder ao
aumento da procura dos serviços médicos públicos se
o ‘sim’ ganhar
A dois meses do referendo, o Ministério da Saúde
ainda não encontrou o modelo de financiamento da
Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). “A matéria
não está tratada”, reconhece o assessor, Miguel
Vieira. No entanto, assume que a “actual lei tem de
ser cumprida” e caberá ao Serviço Nacional de Saúde
(SNS) “proporcionar os meios para que a IVG se
concretize”.
A questão preocupa Luís Graça,
director do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do
Hospital Santa Maria, em Lisboa, relutante em
aceitar que seja o SNS a pagar as interrupções de
gravidez “puras e simples, sem qualquer riscos para
a mãe ou o feto”. Na opinião do médico, o problema
ficaria resolvido com a legalização de clínicas onde
já se praticam abortos; e até agora a funcionar na
“clandestinidade”. “Algumas com muita qualidade
técnica”, frisa. Em Santa Maria, e caso vença o
‘sim’, “não se vão fazer IVG a pedido”, sublinha. A
prioridade vai continuar a ser dada ao tratamento da
doença. “Nesses casos é que temos de ser
solidários”. Por isso, o cenário das listas de
espera “não faz qualquer sentido”. O facto do aborto
ter de ser praticado até às dez semanas, vai levar a
que “o número de IVG feitas no hospital seja sempre
marginal”, resume Luís Graça.
Mais a sul, no Hospital Distrital
de Faro, Beatriz Cabrita, directora dos Serviços de
Ginecologia e Obstetrícia, coloca a hipótese das
listas de espera, tendo em conta que se “o sim
ganhar, vamos usar os mesmos recursos humanos e
técnicos”. O problema vai estar no lado da procura;
e a aumentar como se prevê, os hospitais “vão ter
dificuldades em dar respostas”. E de contornar a
situação dos médicos que já se assumiram como
objectores de consciência. Nos serviços de
Ginecologia e Obstetrícia que Beatriz gere, já há
“alguns” casos. Em Santa Maria, onde trabalham 40
médicos e 85 enfermeiros, o número será proporcional
ao “resultado do referendo”, prevê Luís Graça.
Prevendo esta situação, o
Ministério da Saúde assume que a melhor forma de
pressionar as “reservas éticas e morais” dos médicos
que trabalham no público é “a concorrência com as
clínicas privadas”. Para já, está prevista a
abertura de duas clínicas, em Lisboa, para a
realização de interrupções da gravidez, como a
britânica Mary Stopes International (uma organização
de beneficência) e a empresa espanhola detentora da
Clínica de Los Arcos. O processo de legalização
destas duas clínicas seguirá em frente, “qualquer
que seja o resultado”, assume o assessor, sem
esconder que a vitória do ‘sim’, funcionaria como
acelerador.