Diário Digital - 13 Dez 06
Falsidades em torno da questão do aborto…
João Titta Maurício *
É falsa a afirmação daqueles que dizem que o Estado
deve ser moralmente neutro e que a não aprovação das
leis de liberalização do aborto são uma imposição de
uma moral particular sobre a sociedade.
Não relevemos a inexactidão da afirmação de que o
Estado deve ser neutro nas escolhas morais, pois
nada parece ser tão óbvio quanto o facto de, quando
opta por punir ou não punir um facto, o Estado faz
uma escolha moral. A decisão de liberalizar o aborto
(e até propor-se pagá-lo) jamais poderá ser
classificado como um comportamento neutro do Estado.
Por isso, não só é falso que o Estado seja capaz de
neutralidade (nem sequer que o deva procurar ser)
como é falso que a aprovação da liberalização do
aborto seja a exigência para se alcançar um Estado
moralmente neutro.
É falso que a liberalização do aborto seja uma
proposta amoral. Basta de imoralismos mascarados de
amoralismos. O seu propósito é falsificar os dados,
procurando diminuir a carga de repugnância que as
propostas abortistas de imediato suscitariam se
fossem expostas sem que se acobertassem com esse
manto de (aparente) neutralidade valorativa. De que
serve afirmarem “eu não sou a favor do aborto,
mas...” se no final defendem legitimar o poder de se
fazer aquilo que (aparentemente) condenam? Não podem
ser contra o aborto e defender a sua liberalização
irrestrita. Podem ser adeptos de uma moral
alternativa e afirmá-lo… não podem é apresentar-se
como portadores de uma (suposta) “não moral”. Porque
isso é falso, é insidioso, é enganador!
Todavia, a questão principal está na defesa da Vida.
E nisso as propostas dos abortistas são claras:
perante a moral presente que exige a preocupação da
defesa do “outro” (principalmente do outro mais
“fraco”), os defensores da liberalização do aborto
colocam a tónica na defesa da vontade de um ser
humano sobre a vida de outro, numa evidente renuncia
ao altruísmo, uma capitulação em favor do egoísmo.
Afirmar que «os cidadãos devem ser livres de agir de
acordo com as suas consciências enquanto a actuação
não fizer diminuir a liberdade de outros cidadãos» é
uma inominável impostura, pois ao colocar “cidadãos”
depois de “outros” é transformar um substantivo num
adjectivo, e é excluir dos direitos todos aqueles
que não são cidadãos. O mesmo fizeram os
esclavagistas que, ao recusarem o carácter humano a
todos, mais não faziam do que, “coisificando” o ser
humano, torciam a realidade para obterem a ilusão de
um ganho na argumentação.
Por outro lado, defender que o Estado deve estar à
margem deste julgamento é esquecer que o Estado
existe exactamente para isso: para colocar todo o
seu poder, toda a sua capacidade na defesa dos mais
fracos, Principalmente quando ainda não têm voz
própria.
Finalmente, pretender excluir da discussão do aborto
a questão do momento em que surge a vida humana é
procurar ganhar na secretaria (com o apoio activo
nas secretárias daqueles que manipulam nos media)
aquilo que a ciência tem demonstrado em desabono das
teses dos abortistas. Afastar desta matéria a
questão do início da vida é manipular a discussão,
pois é essencial que se diga que há vida desde a
concepção: que não há evidências científicas ou
médicas que digam outra coisa (bem pelo contrário);
que, sabendo-se que há vida humana a nascer dentro
da mulher grávida, consagrar-se o aborto é
permitir-se que um ser humano possa, impune e
irrestritamente, decidir sobre o destino de outra
Vida humana. Porque a proposta submetida a
referendo, a ser aprovada, concederia à mulher, pelo
menos até às 10 semanas (por enquanto), um ilimitado
e um incondicionado poder para, “porque sim”,
eliminar uma Vida humana que nasce dentro dela, que
é mais do que ela, que vive para além dela. Até na
pena de morte se busca, pelo menos, uma aparência de
justiça e aquela só é aplicada com uma fundamentação
assente em motivos graves e sérios…
Em Portugal, na actual legislação, sobre o aborto,
conjugam-se exigências de tempo com motivações
éticas ou médicas sérias e (nalguma medida)
atendíveis. Requere-se que, tão grave decisão, seja
precedida e sustentada por razões minimamente
atendíveis. É este o modelo que os países que
optaram pelo aborto irrestrito agora se propõem
adoptar. Numa coisa Portugal serve de modelo menos
mau. Também nisto os abortistas estão tão
equivocados e iludidos (e ainda não reparam que as
suas propostas já só são defendidas por minorias
radicais): apresentam como modernas e evoluídas
soluções que já nem são compatíveis com o estado de
conhecimento médico e científico de que desfrutamos,
nem tão-pouco com as necessidades demográficas que
enfrentamos.
Procurar iludir a discussão do aborto não permitindo
que se aborde o tema central do começo da Vida seria
o mesmo que pretender punir o homicídio e não
aceitar discutir como e quando se qualifica a morte.
Procurar defender a não criminalização do aborto e
não discutir os factos estatísticos das
consequências quanto ao aumento do número de abortos
realizados (todos os dados disponíveis
inquestionavelmente apontam nesse sentido) é
procurar esconder informação que deveria estar à
disposição dos eleitores. Porque deveriam saber que,
em França, antes da liberalização, os abortistas
apresentavam números assustadores: entre 300.000 a
2.500.00 abortos/ano. Todavia, segundo se apurou
mais tarde num estudo conduzido pelo Institut
National d’Études Démographiques esse número era, de
facto, entre 50.000 a 60.000. Hoje ronda os 200.000.
Por outro lado, num estudo conduzido nos EUA «72%
das mulheres interrogadas afirmaram categoricamente
que se o aborto fosse ilegal nunca o teriam feito;
24% exprimiram dúvidas sobre se o teriam feito ou
não; e apenas 4% afirmaram que o teriam feito ainda
que o aborto fosse ilegal». E 40% são abortos
repetidos. Estamos estatisticamente esclarecidos
quanto às consequências da liberalização do aborto:
este aumenta e passa a ser usado como mais um método
anti-concepcional.
Mais, em Portugal, temos menos gravidezes
adolescentes do que o Canadá, os EUA ou a Nova
Zelândia (onde o aborto é legal). Além disso, «¾ das
gravidezes em adolescentes são de maiores de 17
anos, e a maioria dos casos abaixo desta idade são
de jovens cm vida marital por opção, do interior do
país, e de etnias cigana, guineense e cabo-verdiana,
que não desejam abortar mesmo que o aborto fosse
legal». É sintomático que neste referendo os
defensores do sim usem e abusem recusar discutir
dados estatísticos e fundamentos éticos e
científicos. Preferem explorar o medo, a dor de
algumas mulheres e homens, oferecendo-lhes um alívio
fácil, ainda que incorrecto, para as suas
consciências. Ao fazerem isso, os defensores do
aborto demonstram, uma vez mais, a sua pouca
percepção e respeito sobre a dor das mulheres. Que,
assim, uma vez mais, são usadas e abusadas com
propósitos partidários.
Os defensores do NÃO, querem ajudar as mulheres a
dar à luz os filhos que julgam não poder ter.
Os defensores do NÃO, querem ajudar a proteger as
mulheres da dor de abortar que nenhuma lei consegue
aliviar. Os defensores do NÃO, rejeitando um modelo
de egoísmo e facilitismo, querem continuar a viver
num Estado que tem leis que protegem os mais fracos.
A questão do aborto não se resolve pelo clássico
antagonismo direita/esquerda; não é sequer um
assunto de morais concorrentes; nem tampouco uma
tese do foro religioso. É coisa bem mais simples: é
puro Bom Senso, pura Razão, pura Verdade!
* titamau@netcabo.pt
Professor Auxiliar (convidado) da Universidade
Lusófona