Público - 09
Dez 06
A escola com os pais
Daniel Sampaio
Num interessante editorial do "Público", Manuel
Carvalho (MC) considerou que "os pais, ou melhor,
uma boa maioria dos pais, são hoje os principais
responsáveis pelo desastre educativo que nos
envergonha e nos tolda o futuro". Não tem razão, e
considerações deste tipo não favorecem a aproximação
escola-família que o jornalista preconiza.
Tudo partiu de uma frase proferida por uma dirigente
da Federação de Associações de Pais dos distritos de
Porto e Vila Real, a dar razão aos protestos de
estudantes contra as aulas de substituição. Também
não tem razão e a sua declaração não é
representativa do que pensam muitos pais, que em
diversas ocasiões já expressaram o seu apoio a
medidas contra a não ocupação dos estudantes na
escola.
O problema é outro. É verdade que em muitas escolas
os pais se caracterizam pela ausência, mas também é
certo que noutras comparecem com regularidade. Quais
as razões? Os estabelecimentos de ensino
frequentados pelos encarregados de educação têm
práticas de cooperação com a família, caracterizadas
por trabalho conjunto com definição prévia de
objectivos comuns. Os seus Projectos Educativos são
elaborados com a previsão de envolvimento dos pais,
pois partem das reais necessidades dos alunos, aos
quais a "boa maioria" dos pais não fica indiferente.
E, acima de tudo, essas escolas têm como crucial o
protagonismo dos alunos, não só nos resultados
académicos, mas também na socialização e
participação quotidianas. Quando a escola faz os
seus alunos saírem da mediania e os torna actores da
mudança do clima escolar, a "boa maioria" dos pais
não fica indiferente. Para isso, é preciso que pais,
estudantes e professores trabalhem em conjunto, o
que se verifica, por exemplo, em certos projectos de
Educação Sexual e de Educação para a Saúde
existentes já em muitas escolas (MC, por exemplo,
pode informar-se do trabalho de envolvimento de pais
em trabalhos vencedores do recente concurso sobre a
Prevenção da SIDA, que a imprensa ignorou). Quando
isso ainda não é possível, os pais comparecem na
escola quando esta lhes mostra os filhos como
actores principais, nunca quando solicita a sua
presença para dizer mal dos mais novos, ou quando se
escreve, como MC, que "para muitos (pais) o sucesso
educativo é tão mais ou menos relevante que a
vitória do clube do coração no fim-de-semana
futebolístico".
Os pais de hoje vivem imersos na culpa. A sociedade
exige-lhes muito: que dêem afecto, que estejam
disponíveis para brincar e fazer os trabalhos de
casa, que proporcionem o desporto e as festas de
anos dos amigos, que nunca se cansem ou lamentem,
agora até têm de lutar contra o "desastre
educativo". Se qualquer coisa corre mal, não faltam
a vizinhança e a televisão sensacionalista para
dizer que são maus pais, sem fazer a avaliação
técnica cuidadosa que a delicadeza da situação
deveria merecer. E a mesma sociedade e os mesmos
media que tanto criticam, não se preocupam a exigir
melhores condições de vida para que os pais exerçam
melhor a sua função: por exemplo, mais apoio na
gravidez e no período perinatal, melhores
transportes, mais creches e com melhor qualidade,
mais apoios na situação de doença, estabilidade de
emprego. Pode o articulista estar certo: com vida
melhor e com boas práticas na escola, o seu título
"A escola sem os pais" perderá actualidade. |