Expresso - 08
Dez 06
Violência básica
Texto Margarida Cardoso e Rosa Pedroso Lima
Foto José Ventura
Escolas de risco Já não é a violência que choca, é a
forma como ela se tornou tão banal
Ainda o primeiro período de aulas
não chegou ao fim e já a miúda, de dez anos, sabe de
cor que tem de pagar a três dos seus colegas - de
pouco mais idade - aquilo que lhe pedirem. A ‘renda’
diária chama-se extorsão em linguagem de adulto, mas
aqui as regras são outras. Paga-se, ponto. Um dia, a
miúda está mais inquieta e os professores notam.
Chamam-nos e descobrem que há ameaças. Desta vez não
eram facas. “Diziam-lhe que se não pagasse contariam
à escola toda que ela tinha sido violada aos cinco
anos”. E tinha.
No recreio, um aluno meteu-se com
a namorada de outro. O confronto físico imediato
envolveu matracas e soqueiras, alguns colegas e
muitos amigos do bairro, convocados por SMS. Os
carros da polícia tornaram-se presença constante
junto à escola e no bairro onde moravam até houve
tiros. “Estamos próximos da realidade dos «gangs»”,
comenta o professor de matemática. Fala de uma
escola do centro do Porto, onde já viu descerem as
calças à frente do presidente do conselho executivo.
Mas há episódios muito semelhantes nos arredores de
Lisboa, como o que abre este texto.
O Expresso visitou seis escolas
de alto risco - cujos nomes não são revelados por
opção editorial - onde uma simples ordem para calar
ou manter sentado um aluno basta para iniciar um
confronto. Os professores habituaram-se a isto e até
vêem progressos em relatos de guerra aberta. “Este
ano está melhor, só tivemos ainda 20 processos
disciplinares”, dizia a presidente de um conselho
directivo dos arredores da capital. Ainda estamos no
começo do ano e já foi expulso um aluno que
frequenta a antiga primária, mas como “não há armas”
isso conta para o saldo positivo. Porque há uns anos
não era assim, garante: “Tinha um caixote onde ia
pondo armas brancas de toda a forma e feitio”.
Acredita também que terá passado a “fase do roubo
dos telemóveis, que varria a escola e arredores”. Ou
“a época muito complicada - como conta outra
professora de outra escola - em que até houve uma
cena de facada”, em plena sala de aula, por um
ajuste de contas de droga entre os «dealers» e um
rapaz do 8º ano.
Quem se habituou à violência faz
as contas a pequenos ganhos. “Nunca tivemos um pneu
furado” ou “agora já não partem os vidros da escola,
porque são laminados” são vantagens no currículo de
quem insiste em não desistir. No Porto, um professor
chega a ter pesadelos antes de enfrentar algumas
turmas, onde sabe que dará aulas sem ter
oportunidade de ensinar nada. “No ano passado, 100
dos 160 professores pediram transferência. Isso dá
ideia da frustração que sentimos”, comenta. Na EB
2/3 de um concelho vizinho, Fátima foi pontapeada
por trás num corredor. Não identificou o agressor,
mas percebeu o que seria a sua vida de professora,
entre ameaças, agressões e insultos. “Na escola e na
sala de aula, sinto-me próxima das vítimas de
violência doméstica. A agressão pode surgir a
qualquer momento e somos impotentes para resolver o
problema”, diz. Lamenta principalmente o
desinteresse dos pais, numa freguesia onde o
crescimento exponencial da população trouxe a
criminalidade, 70% das famílias são desestruturadas
e 40% dos jovens têm problemas de droga e álcool.
No mesmo concelho, outra escola
enfrenta uma guerra contra a droga. “Aos 10 anos,
muitos alunos já estão viciados. Vê-se isso ao
primeiro olhar”, diz a directora. A droga vende-se
do lado de fora, apesar do posto da GNR ser na rua
seguinte. Em Lisboa, outra escola resolveu o
problema do tráfico. “Sabíamos quem eram os alunos
que vendiam. Reunimo-nos com eles e com os pais e
ficou decidido: só longe da escola”. A solução
parece ter resultado. O problema, como toda a gente
sabe, é que não. Está muito para lá dos muros das
instituições de ensino. Ainda esta semana, um
encarregado de educação forçou a entrada, de pistola
em punho, só porque não queria esperar à porta pelo
filho. “Mesmo assim, sinto-me privilegiada quando
ouço relatos de outros colegas”, confessa uma
professora dessa escola.
ESCOLAS
MAIS PROBLEMÁTICAS
ALMADA (4) EB23 e ES
Monte da Caparica, EB23 Trafaria, EB23 do
Miradouro da Alfazina
AMADORA (3) EB2 Pedro
d’Orey da Cunha, ES/23 Azevedo Neves, EB23
José Cardoso Pires
GONDOMAR (1) EB23
Fânzeres
LISBOA (3) EB1 Arquitecto
Gonçalo Ribeiro Teles, EB23 Pintor Almada
Negreiros, EB 23 Piscinas dos Olivais
LOURES (2) EB23
Bartolomeu Dias, EB1 Apelação
MATOSINHOS (3) EB 23
Matosinhos, EB 23 Professor Oscar Lopes, EB
23 Perafita
MAIA (1) EB 23 Pedrouços
MOITA (1) EB 23 Vale da
Amoreira
OEIRAS (1) EB 1 Sophia de
Mello Breyner
PORTO (8) EB 23 Dr.
Leonardo Coimbra, EB 23 Pêro Vaz de Caminha,
EB 23 Miragaia, EB 23 Ramalho Ortigão, EB 23
Areosa, EB 23 Viso, EB 23 Cerco, ES Cerco
SETÚBAL (1) EB 23
Belavista
SINTRA (2) EB 23
Agostinho da Silva, EB 23 Ferreira de Castro
VILA FRANCA DE XIRA (1)
EB 23 Vialonga
VILA NOVA DE GAIA (3) EB
23 Vila d’Este, EB 23 Canidelo, ES Inês de
Castro |
NÚMEROS
15%
foi o aumento global de ocorrências
criminais nas áreas escolares no ano lectivo
de 2005/2006
46
detenções foram feitas pela PSP,
principalmente por roubo, tráfico de droga,
agressões e furtos |
ESPANHA
Esta semana foi anunciado em Bailén (Jaén)
que um aluno de 13 anos tentou suicidar-se,
em duas ocasiões, em consequência de ter
sido sujeito, durante anos, a humilhações
por parte de um grupo de colegas. Há dois
anos, um jovem de Hondarribia (Guipúzcoa)
matou-se, farto das humilhações a que era
submetido no colégio. A violência escolar é
um fenómeno crescente em Espanha. Todos os
dias há notícias de casos que não afectam
somente os alunos mas também os professores.
Estes têm denunciado o clima de indisciplina
que se vive nas aulas, onde a autoridade do
professor é constantemente posta em causa.
As autoridades educativas não têm solução
para este problema, agravado pela
convivência de alunos de várias
nacionalidades. O racismo e a xenofobia são
fenómenos emergentes no meio escolar.
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FRANÇA
São às centenas as escolas atingidas pela
violência em França e nem os jardins-escola
escapam, sobretudo nas periferias das
grandes cidades. Alguns professores são
agredidos à facada, como aconteceu
recentemente em Etampes e Marselha, outros,
essencialmente mulheres, são insultadas ou
agredidas no recreio ou nas aulas. “Não ouso
ir escrever ao quadro porque tenho medo de
virar as costas aos alunos: há dias, levei
com uma caixa de canetas na cabeça”, disse
uma professora de Saint-Denis, a norte de
Paris. O Governo decidiu colocar mais
vigilantes nas escolas, mas o número é
considerado insuficiente pelos professores.
“Só temos seis vigilantes para 470 alunos”,
declarou o professor Olivier Vinay, do
colégio Travail, em Bagnolet. Em 2005 foram
identificados pela polícia mais de mil
menores envolvidos em actos de violência nas
escolas.
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ITÁLIA
Uma turma inteira de Turim foi denunciada
há três semanas por ter realizado um vídeo
com humilhações feitas a um deficiente e
tê-lo colocado depois na Internet. O filme
acabou por ser um dos mais vistos no ‘Google’.
O caso pôs em evidência outros actos de
violência ocultos que se praticam nas
escolas contra os incapacitados. O fenómeno
chama-se «bullying». Há três anos, a
magistratura descobriu que uma série de
ritos satânicos que acabaram com a vida de
dois jovens tinham acontecido na escola. A
sociedade italiana para a pediatria informou
recentemente que Itália tem o recorde
Europeu de aumento da violência escolar, com
mais 45% nas escolas do ensino básico e mais
25% nas secundárias.
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ALEMANHA
Têm-se multiplicado nas últimas semanas
os casos de violência nas escolas alemãs. Na
quarta-feira, a polícia do estado federado
de Baden Würtemberg esteve alerta porque se
temia um tiroteio numa escola. Um aluno, de
18 anos, que era procurado há alguns dias,
foi encontrado morto numa floresta -
suicídio. O alerta fora lançado por colegas
seus que jogavam com ele na Internet o jogo
«Counterstrike». Há duas semanas, a polícia
de Berlim deteve um rapaz de 17 anos que
planeava um ataque à sua escola, imitando o
que se passara quatro dias antes em
Emsdetten, onde um rapaz de 18 anos entrou
no seu antigo liceu disparando ao acaso.
Feriu 37 pessoas e acabou por se suicidar. O
caso mais falado sucedeu em Abril de 2002 em
Erfurt onde um jovem de 19 anos matou 16
colegas e professores do seu liceu, e depois
se suicidou.
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REINO
UNIDO
A violência nas escolas britânicas tem
vindo a aumentar, segundo o Ministério da
Educação. O último caso teve lugar numa
escola de Surrey, onde uma adolescente de 15
anos foi agredida na cabeça, costas e peito
com uma tesoura, em Novembro de 2005. O
incidente mais violento teve lugar no ano
passado quando um aluno de 15 anos violou
uma professora numa sala de aula. A
violência manifesta-se essencialmente nas
escolas urbanas, onde há maior concentração
de pobreza. O Governo tem implementado
medidas para combater a violência nas
escolas, de onde se destaca mais segurança
nos estabelecimentos de ensino, exclusão de
alunos violentos e mal-comportados e penas
para pais de adolescentes que se envolvem em
comportamento anti-social.
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