Norte-americana que levou à
legalização do aborto no seu país está em Lisboa.
Norma McCorvey disse estar arrependida das
consequências do processo em que se envolveu em 1973
e defendeu o «direito à vida»
Representantes da organização norte-americana
Justice Foundation defenderam esta noite que
Portugal deve dar um exemplo ao seu país e dizer
«não» no referendo à despenalização do aborto.
Na conferência, que teve lugar na Faculdade de
Letra da Universidade de Lisboa, a interrupção
voluntária da gravidez foi descrita como estando
na origem de comportamentos marginais. Norma
McCorvey, responsável pelo processo que levou o
Supremo Tribunal dos EUA a considerar o aborto
um direito constitucional, mas que,
posteriormente, se tornou uma opositora desta
decisão, foi uma das oradoras.
Perante cerca de uma centena de pessoas que
compuseram o auditório 1 da Faculdade de Letras,
num encontro organizado pelas Associações Juntos
pela Vida e Missão Vida, McCorvey, também
conhecida como Jane Roe - nome fictício que
utilizou no célebre caso Roe versus Wade que
levou à liberalização do aborto nos EUA em 1973
-, disse estar profundamente arrependida por ter
servido essa causa. «Não sou uma oradora hábil
nem uma juíza. Sou, pelo contrário, uma pessoa
que trouxe destruição para mim, para outras
mulheres e para 43 milhões de bebés no meu
país», disse, sublinhando que este número
corresponde ao dos abortos realizados legalmente
nos EUA, nos últimos 33 anos.
A activista - que nunca chegou a abortar, porque
a duração do caso judicial em que se envolveu
ultrapassou o tempo de gestação - disse que
alterou a sua visão sobre a interrupção
voluntária da gravidez depois de ter trabalhado
em clínicas onde ela era praticada. No seu
depoimento, McCorvey acusou os advogados que a
representaram em 1973 de a terem enganado e a
terem «usado para tornar o aborto legal nos
Estados Unidos», em vez de a auxiliarem a
«deixar as drogas e o álcool» e de a ajudarem a
«entregar o seu filho para adopção».
Suicídio, álcool e drogas
O depoimento da mulher, de 59 anos, foi
precedido pelo testemunho de outras três
mulheres também norte-americanas - Cynthia
Collins, Myra Meyers e Rebecca Porter -, que se
centraram na forma negativa como o recurso ao
aborto as afectou. «Tentei cometer suicídio e
passei por várias overdoses porque me odiava
pelo que tinha feito», confessou Porter,
afirmando que o álcool e as drogas se tornaram
um refúgio, em parte da sua vida, após ter
abortado. Um relato semelhante à das outras duas
activistas.
Além da «defesa da vida», os conferencistas
colocaram a tónica das suas intervenções também
nas consequências negativas do aborto na saúde
das mulheres e nos seus potenciais efeitos
desestruturantes, a nível pessoal e social.
Claytton Trotter, conselheiro jurídico da
Justice Foundation, afirmou que nos EUA o número
de mulheres a cumprir penas judiciais subiu
enormemente depois de 1973, e apontou que numa
sondagem à comunidade prisional feminina, 60 por
cento das mulheres disse que na origem do seu
percurso marginal esteve a prática de um aborto.
Razão que levou o jurista a defender: «É melhor
instaurar alguns processos [a mulheres por
interromperam a gravidez] do que enviar milhares
de mulheres para a prisão».
Reed Olson, outro activista, sublinhou por seu
lado que a liberalização poderá ter um efeito
despenalizador das consciências e levar
progressivamente ao alargamento do período em
que é permitida a interrupção da gravidez,
potencialmente, quase até ao nascimento do bebé.
O activista norte-americano ilustrou este
«perigo» com alguns processos abortivos já
praticados no seu país em fase avançada de
gestação e deixou um repto aos portugueses para
que votem «não» no referendo. «Por favor não
sigam este exemplo. Sejam um exemplo para nós.
Nós precisamos dele. Não recusem a vossa
convicção de proteger a vida, porque os olhos do
mundo estão aqui. Não atravessaríamos o
Atlântico se não fosse assim».