Público- 04
Dez 06
É necessário comprometer toda a sociedade na
melhoria dos níveis educativos
Que comunidades apostam na escola para
progredirem socialmente? Em muitas autarquias a
educação é só a quinta, a sétima, a nona prioridade
Devem existir vários momentos de
avaliação do 4.º ao 12.º ano, mas os exames não
resolvem tudo quando a cultura de menosprezo pelo
valor da educação começa em casa. Por isso, Joaquim
Azevedo também quer envolver as famílias, como as
autarquias, as associações locais e os empresários
nas mudanças do sistema escolar.
Considera que o fim dos exames foi um erro crasso?
Não tenho essa perspectiva, apesar de ter sido eu
que trabalhei na reintrodução dos exames do 12.º
ano. É fundamental ter momentos de prestação de
contas. No 9.º ano já estão a ocorrer, com outra
lógica, e defendo que deviam ser criadas provas,
naturalmente diferentes, no 4.º ano de escolaridade.
O país devia saber o que sabem as crianças quando
chegam ao fim do 1.º ciclo do básico. Agora o
problema não está só nos exames, não está só em
"fazer sangue"...
Os exames não têm de ser para "fazer sangue"...
Pois não, mas nós já temos mais de dez anos de
exames do 12.º ano e o sistema não melhorou. Por
isso, não podemos dizer que essa é a solução, pelo
que não se deve isolar o problema dos exames.
Fizemos a revolução miraculosa da massificação, mas
sacrificou-se muito a qualidade. Não tinha de ser
assim. Na Coreia do Sul não foi assim. Isso é
explicável apenas pelo sistema, mas também por
elementos culturais que estão dentro da casa e da
cabeça das pessoas?
A Coreia do Sul partiu para a massificação com
níveis de formação muito superiores entre os mais
velhos. O nosso mal é que partimos muito de baixo,
com níveis culturais muito baixos da generalidade da
população. Mais: que comunidades apostam na escola
para progredir socialmente? Em muitas autarquias a
educação é só a quinta, a sétima, a nona prioridade.
Temos de perceber de onde partimos - porque partimos
muito baixo porque o Estado Novo foi castrador,
alimentou uma cultura em que a educação não tem
valor, julga-se que ir trabalhar é que tem valor.
Os nossos problemas vêm mais detrás e, seja lá como
for, o Estado Novo já acabou há mais de 30 anos. Não
será antes algo mais enraizado, algo que nos
distingue, por exemplo, da Finlândia, onde a maior
parte dos índices de desenvolvimento do sistema, ou
de investimento no sistema, são semelhantes, mas os
resultados muito melhores? Uma vez um responsável
finlandês disse que isso talvez fosse devido ao
facto de a Finlândia ser o país do mundo onde os
pais ocupam mais tempo a ler histórias ao filhos, em
vez de os deixarem em frente da televisão ou com a
consola de videojogos.
Essa questão que coloca é fundamental. Não podemos
entregar tudo à escola, temos de assumir outras
responsabilidades. Ora, a verdade é que para ler aos
filhos é necessário saber ler e ter livros em casa,
o que muitas vezes não acontece. Mesmo assim, as
famílias devem ter um contributo muito mais
decisivo, especialmente explicando-lhes que a
educação é o melhor investimento que podem fazer na
sua vida. Nós carregamos a escola com todos os
fardos da educação e das debilidades sociais e
depois deixamo-la sozinha a resolver todos os
problemas.
Falámos das famílias. Mas e os empresários? Há
empresários que têm fábricas onde só admitem
operários com o 12.º ano porque entendem que assim
estão mais bem preparados para as mudanças que as
empresas têm de enfrentar constantemente. Mais
empresários levariam as famílias a perceber que ou
os filhos estudavam, ou não tinham mesmo emprego...
Por isso tem surgido no debate a ideia dos
compromissos sociais locais em que intervêm os
próprios empresários. Quando o mercado de trabalho
local é, ele próprio, o motivo principal para se
sair da escola, o que nós temos é um problema social
que nós travestimos de problema educativo. Mais:
temos de pensar que um centro de saúde, um jornal
local, um museu ou uma biblioteca são recursos
educativos fundamentais. Os estudos internacionais
também nos dizem que nem tudo depende da escola, que
é muito diferente quando o ambiente local valoriza a
educação e dá estímulos às escolas. Nessas regiões
as escolas fazem a diferença mesmo quando partem do
mesmo ponto. No fundo, trata-se de comprometer toda
a sociedade em melhorar os níveis educativos.